O Estado da Moda 2026: Quando as regras mudarem
Há algo quase poético e absolutamente estratégico acontecendo no mundo da moda e do consumo.
E sim, eu vou ousar dizer: o futuro dos negócios tem cheiro de armário de costura da nossa avó.
Enquanto a indústria se contorce entre tarifas, volatilidade e IA acelerada, há um movimento silencioso, emocional e profundamente humano crescendo nas bordas: o retorno ao fazer com as mãos, ao “tempo sem tempo”, à habilidade como luxo e à obra como patrimônio afetivo.
1. A aceleração nos empurrou pro limite. A desaceleração virou produto.
O relatório é claro: os consumidores estão reavaliando prioridades, cortando excessos, buscando valor real.
E valor real ironicamente não está no “mais rápido”, mas no “mais profundo”.
A economia do bem-estar, citada como uma das forças centrais do futuro, mostra isso sem pudor:
as pessoas querem se sentir vivas, presentes, pertencentes.
E poucas coisas fazem isso melhor do que um bordado emergindo de um ponto, um crochê ganhando forma, uma peça de roupa renascendo das suas partes gola, punho, fralda ...
O mundo digital nos deu tudo… menos chão.
As mãos devolvem.
2. O modelo de negócio do futuro não é acelerar. É ancorar.
Enquanto a IA reorganiza a cadeia, automatiza funções e reescreve a lógica da produtividade, a vantagem competitiva mais rara será aquilo que a tecnologia não replica com fidelidade emocional:
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artesania
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cultura
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pertencimento
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narrativa
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toque humano
A cadeia digital vai operar o “como”.
A cadeia artesanal vai definir o “porquê”.
E marcas inteligentes já perceberam: o futuro não será dominado por quem produz mais rápido, mas por quem cria significados mais duradouros.
3. As casas e as marcas voltarão a ter um canto pra costura.
Não é só nostalgia. É necessidade psíquica contemporânea.
Se fomos educados num mundo onde costurar era autonomia, hoje estamos reaprendendo que costurar é saúde mental, identidade, pausa.
As casas estão voltando a incorporar “oficinas pessoais”: ateliês de respiro.
As marcas, idem: programas de upcycling, oficinas abertas, experiências maker, co-criação com consumidores.
A McKinsey fala da ascensão dos “terceiros espaços” de bem-estar.
Eu diria: os novos templos urbanos serão ateliers.
Não aqueles brancos e assépticos.
Mas aqueles que cheiram a linha, têm um rádio ligado baixinho e guardam histórias nos pedaços de tecido.
4. A economia da revenda e do upcycling vai explodir não por tendências, mas por propósito.
A pesquisa mostra:
a revenda cresce de 2 a 3 vezes mais rápido que o varejo tradicional.
Não é moda. É matemática emocional:
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preço alto demais
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desejo por diferença
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culpa ambiental
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busca por originalidade
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vontade de participar da obra, não apenas consumir o produto
Aqui, entra o artesanato como infraestrutura moral da moda.
A peça feita, refeita, revivida.
Isso é design do futuro: narrativo, regenerativo, identitário.
5. No horizonte: negócios híbridos. Tecno e táteis.
Apesar da digitalização total, o próprio relatório descreve um fenômeno brilhante:
o consumidor está usando IA para decidir, mas quer emoção para comprar.
Ou seja:
A jornada será tecnológica.
O desejo será artesanal.
E o valor será humano.
Os modelos emergentes serão:
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Marcas de moda com “estúdios de desaceleração”: espaços onde clientes bordam, ajustam e regeneram roupas.
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Clubes domésticos de criação: o “roupa feita em casa 3.0”, mas com estética moderna e tecnologia assistindo.
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Plataformas que unem IA + artesania: IA que sugere modelos e combinações; mãos que executam com identidade.
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Serviços de guarda-roupa regenerativo: o cliente compra menos, mas transforma o que tem inúmeras vezes.
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Experiências de marca que misturam performance, oficina e storytelling.
É o encontro entre o “smart” e o “slow”.
A moda não vai só vender roupas.
Vai vender tempo, presença e pertencimento.
6. E nós? Sabemos ainda fazer isso?
É: sabemos, sim. Mas estamos reaprendendo.
E esse reaprendizado é um mercado bilionário escondido.
Você cresceu entre mãos que faziam tricô, enxovais, roupas de boneca.
Isso não é apenas memória é a cultura que o mundo está implorando para reencontrar.
E quando você borda, pinta, crocheta com seus filhos, mesmo que seja uma hora por mês… você está plantando o “negócio do futuro” dentro da sua casa.
Negócios do futuro não serão plataformas gigantes.
Serão ecossistemas de significado.
O futuro em 2026 e além não será sobre mais velocidade, mais telas, mais estímulos.
Será sobre autenticidade, artesania, bem-estar, circularidade, identidade e tecnologia agindo como meio não como fim.
O futuro quer IA para organizar o caos.
E quer mãos para organizar a alma.
As marcas que entenderem isso vão sobreviver.
As que abraçarem isso vão liderar.
E pessoas como você, que transitam naturalmente entre o digital e o feito à mão, entre a inovação e o afeto, estão sem perceber descrevendo o manual de negócios dos próximos 20 anos.
Texto por Renata Chaves.
